Tenho observado com alguma tristeza e mesmo algum nojo que muitos dos jornalistas e comentadores que até há poucos dias endeusavam o Salgado, dizendo que era o único verdadeiro banqueiro do País e que o BES era seguríssimo e completamente distinto e imune às dificuldades do GES, dizem agora cobras e lagartos do homem, culpando-o por tudo o que de mau tem acontecido em Portugal.
Nada que me surpreenda, afinal fizeram exactamente o mesmo com o Sócrates. Bajularam-no enquanto o julgavam forte e bateram-lhe até mais não quando se tornou fraco e principalmente quando perdeu as eleições.
São estes os jornalistas, comentadores e “especialistas” que temos: péssimos a investigar, cobardes e bajuladores quando lidam com gente poderosa, valentes e cruéis quando essa gente cai em desgraça.
Infelizmente, são comportamentos típicos da natureza humana.
Esta história fez-me recordar outra, acontecida há 200 anos, que retrata a forma como um jornal parisiense noticiou a fuga de Napoleão da ilha de Elba e o seu fugaz regresso ao poder, que fui repescar aqui: e que, embora tendo ocorrido precisamente ao contrário, é bastante elucidativa da tal natureza humana e, especificamente, da comunicação social que tínhamos, que é mais ou menos igual à que temos.
"Os vinte dias de estrada de Napoleão, da costa sul a Paris, são um caso de estudo que merece chegar a hoje. O regresso de Napoleão Bonaparte foi ilustrado em letra de imprensa, de forma que deslustra a imprensa mas mostra o género humano em retrato nítido. O jornal parisiense Le Moniteur narra, passo a passo, o avanço de Napoleão. Os títulos sucessivos vou alinhá-los:
1) «O antropófago saiu do seu covil.»
2) «O ogre da Córsega acaba de desembarcar no golfo Juan.»
3) «O tigre chegou a Gap.»
4) «O monstro dormiu em Grenoble.»
5) «O tirano atravessou Lyon.»
6) «O usurpador foi visto a sessenta léguas da capital.»
7) «Bonaparte avança a passos largos, mas nunca entrará em Paris.»
8) «Napoleão estará amanhã nas nossas portas.»
9) «O imperador chegou a Fontainebleau.»
10) «Sua Majestade Imperial entrou ontem no Castelo das Tulherias, no meio dos seus súbditos fiéis.»"
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